A Verdade vós fará livre

Jesus da Gente

* Por Eduardo Calil Ohana 

Uma pessoa não pode ser religiosa e ao mesmo tempo apática ao sofrimento de outros seres humanos. A grande tragédia da humanidade é que muito de nossa história é marcada pela indiferença. Daí a famosa máxima da banda Charlie Brown Jr: "Tem vários jeitos de matar uma pessoa, a indiferença é uma delas".

No ano de 1965, o Pastor batista Martin Luther King, Jr. organizou uma grande marcha na luta por justiça social e contra as expressões de preconceito racial em Selma, Alabama. Ao seu lado estava o Rabino Abraham Heschel, que disse que enquanto marchava "sentia que as pernas oravam". A ação política em defesa dos direitos civis era um ato religioso, uma oração.

A Escola de Samba da Mangueira, em harmonia com tradições de fé cristã, fez do samba uma oração, uma ação político-religiosa, em defesa do negro, do índio, da mulher, de pessoas LGBTI+ e de todos os oprimidos pelo sistema vigente.

O carnavalesco Leandro Vieira parece ter encontrado inspiração no poetinha Vinicius de Moraes, que ao entoar o Samba da Bênção já dizia: "Para fazer um samba com beleza/ É preciso de um bocado de tristeza/ Senão não se faz um samba não/ O bom samba é uma forma de oração/ Porque o samba é a tristeza que balança/ E a tristeza tem sempre uma esperança/ De um dia não ser mais triste não".

No dia 23 de fevereiro a Mangueira fez história. Por anos o cristianismo, em sua maioria fundamentalista, rejeitou o samba e o carnaval. Mil pecados inventaram, com uma mistura de preconceito social e alguns tons de refinada hipocrisia. Mas o samba deu a outra face e ofereceu um abraço aos cristãos, nos convidando a sambar-orar em nome do Messias-Sofredor.

Eu não tive escolha. Com sorriso no rosto abracei o samba e junto com outros 19 religiosos e religiosas de tradição cristã, matriz africana, bahá'í, judaica, wicca e outros, entramos de braços dados na Sapucaí, à frente da Escola com uma faixa que dizia: "Independente de sua fé, o respeito deve prevalecer".

Quando viramos a esquina para entrar no Sambódromo um grito de arrepiar se ouviu: "Chegou ô, ô, ô, ô. A Mangueira chegou, ô, ô". Fogos explodiram no céu, bandeiras verde e rosa tremulavam na arquibancada e a bateria deu ritmo ao nosso coração.

Nos olhares da arquibancada uma mistura de surpresa e alegria, ao ver religiosos presentes, quebrando a barreira que nunca deveria ter sido erguida pela dicotomia sagrado-profano.

Como diz o teólogo luterano Adolf von Harnack:

"Jesus opôs-se imediatamente aos líderes oficias do povo e à natureza humana ordinária, em geral. Estes pensavam que Deus era um déspota encarregado de vigiar as cerimônias de sua casa. Jesus vivia na presença de Deus. Mas os oficiais do povo só o percebiam por meio de sua lei, que haviam convertido num labirinto de desfiladeiros escuros, com ruas sem saída e passagens secretas. Mas Jesus via e sentia Deus em todas as coisas. Eles possuíam milhares de mandamentos e pensavam que conheciam por causa disso, mas Ele tinha apenas um só mandamento e conhecia a Deus por esse meio. Eles haviam transformado a religião em comércio, e não havia nada mais detestável do que isso. Ele proclamava o Deus vivo e a nobreza da alma."

Os cristãos devem um pedido de desculpas ao samba, à festa popular, às religiões de matriz africana, ao negro, ao índio e às mulheres, pois diante do escandaloso cenário de opressão, tornou-se apática, em um silêncio às avessas do movimento profético, isso quando não foi a própria produtora ou mantenedora dos abusos sociais com teologias cruéis fantasiadas de amor.

*Eduardo Calil Ohana é pastor da Igreja Batista Acolher em Niterói, RJ, filiada à Aliança de Batistas do Brasil.


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