O Liberalismo Teológico

Teologia liberal: rompendo o preconceito

O movimento protestante da Teologia Liberal consistia em reinterpretar, à luz de um novo contexto cultural, a tradição cristã e que a teologia cristã é uma ciência relevante. 

Por Carlos Cunha*

O liberalismo teológico é um movimento mal compreendido e rotulado negativamente de forma equivocada. Em alguns segmentos católicos e protestantes, o termo liberal, aplicado à teologia, transmite a ideia de ruptura com a tradição; com a hierarquia; com a doutrina cristã elaborada no decorrer dos anos. Para muitos, teólogo liberal é um sujeito desprovido de espiritualidade evangélica. É uma pessoa fria e descrente. Já no âmbito popular, as associações são ainda piores. Liberal é sinônimo de libertinagem. Uma pessoa que não tem limites e para quem tudo é permitido. Se, nesse meio, a imagem do teólogo por si só não é bem vista, imagine agregar a ela o adjetivo liberal? Um caos!

Basta um pouco de fidelidade histórica para reconhecer que a proposta da Teologia Liberal, movimento protestante, consistia em reinterpretar, à luz de um novo contexto cultural, a tradição cristã e mostrar ao ser humano moderno que a teologia cristã é uma ciência relevante. Para os liberais, a teologia precisava se modernizar ou deixaria de ser religião popular com atrativos e influência universais. Com a atualização de suas categorias fundamentais, o cristianismo deixaria de ser uma religião folclórica (supersticiosa, esotérica para indivíduos atrasados e incultos) para ser tornar uma religião em harmonia com o que havia de melhor no projeto da modernidade. Havia o receio de que os jovens cristãos, criados nas igrejas tradicionais que não repensavam a fé à luz de conhecimentos novos e modernos, inevitavelmente perderiam a fé no cristianismo quando se voltarem para o mundo moderno e encontrariam os novos conhecimentos.

Historicamente falando, todo movimento teológico embrionário é marcado por extremos. Não foi diferente com o liberalismo teológico. Alguns rejeitaram completamente o aspecto sobrenatural e os dogmas clássicos, outros, porém, buscaram construir uma teologia cristã nova que fosse compatível com o que havia de melhor na modernidade, na filosofia, na ciência e na erudição bíblica.

A teologia católica, resistente ao espírito da modernidade, não se dispôs ao diálogo com o pensamento racionalista. Mais centralizada e hierárquica, a teologia católica se satisfez com movimentos internos de resguardar o fiel das ondas do ceticismo moderno e na elaboração de uma teologia predominantemente apologética. Já no âmbito da teologia protestante, a relação entre a teologia cristã e a modernidade não foi de oposição. O protestantismo, menos hierárquico e mais aberto ao diálogo, encontrou no espírito da modernidade um importante interlocutor para a contextualização da fé cristã.

O liberalismo era a expressão filosófica da autoconsciência da burguesia. O confronto do liberalismo com a teologia protestante originou a liberale Theologie, com influências do pensamento filosófico de Kant e Hegel. O termo Theologia Liberalis foi usado pela primeira vez por Johann Salomo Semler (1725-1791) para dizer "livre método de investigação histórico-crítico das fontes da fé e teologia, sem vínculos com a tradição dogmática".

A Teologia Liberal não é uma escola de definições precisas. Os membros mais expressivos desta escola foram Friedrich Schleiermacher (1768-1834), Albrecht Ritchl (1822-1889), Julius Welhausen (1844-1918), Adolf Jülicher (1857-1938), Adolf von Harnack (1831-1930) e Ernst Tröltsch (1865-1923) e tinham uma metodologia teológica comum: 1) Uso do método histórico-crítico; 2) Relativização da tradição dogmática da Igreja e, 3) Leitura predominantemente ética do Segundo Testamento. As motivações também eram comuns: 1) Necessidade de reconstruir o pensamento tradicional cristão à luz da cultura, filosofia e ciências modernas e, 2) Descobrir a verdadeira essência do cristianismo, destituída dos dogmas tradicionais que não eram mais relevantes, nem possíveis de serem cridos à luz do pensamento moderno.

A Teologia Liberal não pode ser tratada somente como uma teologia que moralizou o dogma. Não é justo! Muitos dos seus idealizadores eram homens piedosos, pastores de comunidades que buscavam dar razão à fé cristã numa sociedade impactada pelos avanços da modernidade. Toda teologia tem limites. Não se espera que a tudo abarque. Não é diferente com a Teologia Liberal. São muitas as suas contribuições para a teologia cristã. Elencarei algumas:

  1. Educação ética - A Teologia Liberal contribuiu para a formação do cidadão numa perspectiva da ética cristã. Deu ao cidadão elementos éticos e morais capazes de proporcionar um melhor convívio com uma sociedade plural;
  2. Ativismo social - O liberalismo teológico foi responsável pelo engajamento social das igrejas cristãs. Foi responsável por mostrar o tamanho da dimensão da missão de Deus no mundo por meio da Igreja. Alertou às igrejas para o chamado missionário e compromisso social;
  3. Hermenêutica crítica - O impacto da hermenêutica filosófica sobre a hermenêutica bíblica foi enorme. A Teologia Liberal deu um passo importante para a leitura bíblica crítica e histórica. Ela reuniu ferramentas de análise crítica fundamentais para uma apropriação efetiva do texto bíblico pelo leitor;
  4. Diálogo interdisciplinar - A postura dialogal do liberalismo teológico tirou a teologia cristã do gueto religioso, privado, e a colocou no espaço público. O diálogo interdisciplinar obrigou a teologia a repensar o seu significado e a sua tarefa dando-lhe legitimidade no âmbito acadêmico.

Essas são algumas das contribuições proporcionadas pela Teologia Liberal. O interessante disso tudo é que alguns movimentos de resistência ao liberalismo teológico não só ajudaram a corrigir os seus excessos como contribuíram para novas perspectivas teológicas. Aí, já é assunto para outra reflexão.


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